Cartas verídicas, reportagens, músicas, livros, filmes de ficção e documentários foram a inspiração do pelotense Alex Vaz para escrever o roteiro do episódio Milonga Lejana. O episódio conta a história de um murguista uruguaio que, em 1985, exilado em um barraco na praia do Hermenegildo, em Santa Vitória do Palmar/RS, aguarda os últimos dias da ditadura civil-militar para retornar ao seu país. O argumento original foi criado por Chico Maximila a partir de outro roteiro também escrito por Vaz, mas adaptado para uma atmosfera fronteriza.
As cartas que inspiraram o roteiro fazem parte do acervo pessoal de Felipe Campal, que também é o diretor de fotografia do filme, e do professor/pesquisador em História Ariel Salvador, da Universidade Federal de Pelotas. Elas constituem o fio condutor da trama, pois fazem a conexão entre o personagem e o contexto histórico da época.
O personagem principal, sem nome, tem como companhia apenas uma bicicleta, o mate e um velho rádio que vive com defeito. Suas únicas formas de se informar sobre a situação política do Uruguai são o rádio e as cartas que lhe são entregues por dois moradores da região – referências ao Seu Elon e à Dona Eni, de Santa Vitória do Palmar. Nessas cartas, os companheiros opinam sobre qual seria a hora certa de voltar do exílio.
As cartas de Esteban Campal e de Ruben Eriberto Roja são reais e revelam aspectos dos interrogatórios, das perseguições e das relações pessoais entre os companheiros da resistência uruguaia. Do ponto de vista ficcional, Vaz foi buscar inspiração em Andamios (Andaimes), livro em que o escritor uruguaio Mario Benedetti relata a sua situação a partir de Madri e resgata uma cena carnavelesca da época. Também há uma carta escrita pelo personagem Solon, uma alusão à atuação do músico Solon Silva, ícone na cidade de Pelotas à época.
Além dessas cartas, o filme se utiliza de várias referências, como o célebre discurso do ator, escritor e ativista político uruguaio Alberto Candeau, no chamado “Ato do Obelisco” ou “Rio de la Libertad”, que ocorreu em novembro de 1983 e que marcou o final da ditadura no país, assim como a canção “Brindis por Pierrot”, de Jaime Roos, aparece nos argumentos. Além disso, o cantautor riverense Chito de Mello é citado como um personagem distante e a sua música inédita “Noyentiño” integra a trilha sonora do curta, juntamente com a canção “Al Sur”, de autoria do próprio Alex Vaz e do codiretor Chico Maximila.
O codiretor Felipe Yurgel destaca que “o desenvolvimento do roteiro a partir das limitações de rodar um curta-metragem durante a pandemia foi fundamental para a realização do filme”. Segundo ele, a contextualização do período através de cartas e o isolamento político do personagem em uma praia distante, possibilitou trabalhar com apenas um ator e uma locação. Nesse sentido, afirma Yurgel, “a narrativa com base nas possibilidades de produção acabou por proporcionar à equipe uma experiência segura e controlada em meio ao caos sanitário vivenciado no Brasil em 2021”. Para Felipe, “fica inevitável o paralelo entre o isolamento e as formas de comunicação do personagem, exilado por questões políticas, e o isolamento atual e as novas reflexões acerca de fronteiras”. Yurgel acredita que “o projeto Fronteriz@s representou uma ótima oportunidade de, através do cinema, refletir sobre as relações que tanto influenciam culturalmente a nossa região”. Para ele, “é interessante observar como os recortes escolhidos pelos realizadores acabaram por se complementar na construção de uma narrativa que exalta a comunhão entre povos vizinhos”.
Por seu lado, o codiretor Chico Maximila diz que a experiência “foi um exercício de resgate do imaginário” e da sua busca por um olhar atento, estrangeiro, sobre um território que já lhe pertenceu. Possibilitou “olhar pra aquele lugar como se fosse a primeira vez e poder contar histórias sobre as mínimas coisas, com a intenção de despertar o olhar de quem ainda pertence àquele território”. Segundo ele, “das nove pessoas que integraram a equipe durante as filmagens, quatro são nascidas na região e tem esse território como a sua fonte de pesquisa permanente”. “Este território está no meu imaginário”, afirma Maximila. Para ele, “estar nesta fronteira é estar longe e percorrer uma longa distância para chegar à cidade mais próxima do Brasil, e a apenas 20 quilômetros de uma cidade uruguaia. Essas distâncias e, ao mesmo tempo, esse isolamento estão presentes no roteiro, no personagem e nos planos fixos e longos do filme”. O codiretor afirma que “dessa maneira, nós tentamos traduzir essa paisagem de longas planícies, desse horizonte em que o olho quase não alcança, provocando um estado de contemplação em outro tempo, lento. E tentamos decifrar esse pampa de terra e de mar, que nos transporta aos limites do visível”.
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Ator
VICENTE BOTTI
Direção
FELIPE YURGEL E CHICO MAXIMILA
Roteiro
ALEX VAZ
Argumento
CHICO MAXIMILA
Direção de Arte
GABRIELA LAMAS
Direção de Fotografia
FELIPE CAMPAL
Assistente de Câmera e Foto Still
DANIELA PINHEIRO
Produção local
CAROLINA CLASEN
Assistente de Produção
ALEXANDRE MATTOS
Figurantes:
Carnavalera – CAROLINA CLASEN
Eni – GABRIELA LAMAS
Elon – ALEX VAZ
Locutor do rádio: FELIPE CAMPAL
Trilha Sonora
CHICO MAXIMILA, ALEX VAZ E PROTÁSIO JR.
Locução
VICENTE BOTTI
Direção de locução
ALEX VAZ
Som Direto
DHYAN DIANO/DFD SOLUÇÕES EM ÁUDIO
Edição e desenho de som
PROTÁSIO JR.
Montagem
FELIPE YURGEL
Correção de cor
FELIPE CAMPAL
Finalização
FELIPE YURGEL E FELIPE CAMPAL
Design
CAROLINA CLASEN
Assessoria de Comunicação local
GABI MAZZA/SATOLEP PRESS
Motorista
EDMILSON PEREIRA
Cozinheiro
EDMUR AZEVEDO
Texto: Ricardo Almeida