Ele aprendeu desde cedo a enxergar os sinais de uma mudança no tempo. Aos 8 anos de idade, ano de 1945, Eugenio Hackbart, que morreu nessa segunda-feira, aos 83 anos, dava os primeiros passos no ofício que o tornou referência em observação e previsão meteorológica no Sul do Brasil.
Nascido em Morro Redondo, no sul do Rio Grande do Sul, foi em São Leopoldo onde surgiu o “Homem do Tempo”. Formado em História Natural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e Biologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), a carreira como meteorologista foi embalada enquanto dava aula a jovens em uma tradicional escola capilé.
Da classe, veio uma estação meteorológica, dela, a observação e os prognósticos. Depois, ouvintes da Rádio Guaíba e de várias outras emissoras do interior do Estado e telespectador da então TV Guaíba, hoje TV Record RS, tiveram o privilégio de saber como ficaria o tempo na voz do “professor Eugenio”.
Apaixonado pela cidade que o acolheu, foi por meio da Prefeitura que ele fundou o primeiro serviço meteorológico municipal do País, foi secretário do Meio Ambiente e ajudou a idealizar o Parque Imperatriz Leopoldina. Entretanto, seu principal legado foi inspirar jovens pela ciência e que até hoje ajudam a compreender a dinâmica da nossa atmosfera.
Parque Imperatriz Leopoldina. Foto: Ricardo Giusti
Inspirados pelo “Seu Engenio”
O meteorologista Marcelo Schneider, chefe do 7º Distrito de Meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em São Paulo, é um destes jovens que foram inspirados pela dedicação do “Seu Eugenio”, como era chamado pelos mais próximos. Schneider e seu irmão, Marco, foram alunos de Hackbart no Colégio Sinodal, na década de 1980.
Foi justamente neste período que o meteorologista colocou em prática um antigo sonho, a Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo, que anos mais tarde se transformaria na MetSul Meteorologia.
A primeira iniciativa foi a instalação de um abrigo meteorológico nos fundos da escola. Em 1983, a ideia evoluiu e a Associação dos Ex-Alunos criou o Departamento de Meteorologia e lançou o projeto de se instalar uma estação de observação meteorológica mais completa e que tivesse utilidade para toda a população de São Leopoldo, o que acabou acontecendo em 1985, quando a associação e a Prefeitura criaram o primeiro serviço de Meteorologia municipal.
A estação é mantida, atualmente, pela MetSul, empresa da qual Hackbart era sócio. As aulas dele e a sua dedicação em observar o que acontecia no clima do Vale do Sinos marcaram os irmãos Schneider. “Ele ia todo dia, duas vezes, fazer a leitura dos dados. E isso tudo era muito bonito. Eu e meu irmão íamos juntos”, recorda.
Com o tempo, o convívio foi aumentando, a ponto de se tornarem ajudantes do professor. Os irmãos também apresentavam os dados da meteorologia nas rádios e até participavam com Hackbart, às sexta-feiras, na década de 90, de programa na TV Guaíba com o jornalista Flávio Alcaraz Gomes.
Mas veio a separação. Em 1997, Marcelo comunicou ao meteorologista que ia fazer a faculdade na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e não iria poder colaborar mais. “Me lembro até hoje do dia em que falei com ele que ia estudar em Pelotas”, se recorda. O irmão, Marco, não seguiu na meteorologia como carreira, mas instalou uma estação meteorológica em Lomba Grande, interior de Novo Hamburgo, que até hoje fornece dados para a MetSul.
“Eugenio foi um grande profissional e com índices de acertos notáveis porque antes de ser um meteorologista era um voraz observador do tempo desde a infância. Em uma época sem supercomputadores fazendo previsão ele encontrou na observação e curiosidade científicas o caminho de uma boa previsão. E, em sala de aula, com crianças, descobriu como levar ciência ao grande público com simplicidade e empatia”, resume o amigo e sócio da MetSul Alexandre Aguiar.
Reconhecimento
Hackbart é meteorologista de uma época em que ainda não existia a formação na área. Mas obteve formalmente o reconhecimento para exercer a profissão do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS) 1983.
Em 1984, o curso superior passou a ser obrigatório para exercer a ciência que estuda a atmosfera terrestre. “O Eugenio era obstinado por ciência e conhecimento. Isso fez do professor um eterno aluno sempre disposto a aprender algo”, disse Aguiar.
Família e trabalho
Eugenio vivia para a família e o trabalho. Torcedor do Grêmio, tinha orgulho de São Leopoldo. Manteve-se em atividade até após os 80 anos. Mesmo fora dos microfones ou da rotina diária de previsão do tempo da MetSul, sempre contribuiu com estatísticas históricas e informações relevantes de fenômenos meteorológicos incomuns ou extremos.
Em nota de pesar, a Prefeitura de São Leopoldo reconhece como enorme a contribuição de Hackbart à política ambiental e também na orientação da Defesa Civil da cidade. “É uma perda irreparável para São Leopoldo e a Prefeitura se solidariza com todos os familiares neste momento dor”, disseram.
Hackbart morreu vítima de um câncer, que enfrentava por muitos anos e deixa a esposa Anelori, os filhos Ricardo, Fernando e Mônica, netos e muitos amigos. Para a família, a entrega do professor ao ofício não atrapalhava em nada a convivência.
“Multiplica isso por 10: era muito presente, lúcido, uma pessoa muito boa. Muitos relatos, não só de familiares, mas de amigos, leitores e alunos. Ele ensinou muita coisa a muita gente e levava a meteorologia como um dos pilares de sua vida, ele assumiu isso como um dever”, conclui o filho Ricardo.
Ricardo Hackbart. Foto: Ricardo Giusti
Uma rede de meteorologistas e amigos
Com a participação do meteorologista tenente-coronel José Soares Lima, já falecido, a estação de observação meteorológica no Morro do Espelho, que hoje leva o nome do oficial e amigo de Eugenio Hackbart, foi melhorada com o passar dos anos.
Em 2000, a equipe original da Rede de Climatologia Urbana de São Leopoldo inaugurava a Casa do Tempo junto à estação com equipamentos meteorológicos, sala de leitura e biblioteca com obras de ciência e Meteorologia.
Entretanto, o que era uma estação apenas se transformou em uma rede de monitoramento com a instalação de diversas estações meteorológicas padronizadas, conforme o regulamento da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em várias cidades do Rio Grande do Sul.
O geógrafo Nilson Wolff, de Campo Bom, e encarregado por muitos anos de manter em operação a Estação Meteorológica nesta cidade do Vale do Sinos, o conhecia desde os anos 1980. “O professor Eugenio é um símbolo da meteorologia, foi o professor e meu instrutor também. É um dia triste, mas ele deixou um legado; era um expoente, por ter ideias avançadas na área”, relata Wolff, que tinha contato quase que diário com o meteorologista.
A relação tão próxima está eternizada no livro “A Neve no Brasil”, de autoria do geógrafo, mas que tem na orelha, um prefácio escrito por Hackbart.
Em São Joaquim, na Serra Catarinense, o agrônomo Ronaldo Coutinho, que atua com previsão do tempo de 1988, conheceu o professor Eugenio no começo dos anos 2000, por meio do amigo e sócio dele na MetSul Meteorologia, Alexandre Aguiar.
Mas a relação ficou ainda mais próxima quando houve o Furacão Catarina, fenômeno que atingiu o nordeste do Rio Grande do Sul e o sul de Santa Catarina em março de 2004. Foi neste episódio, que exigiu análise de uma grande quantidade de dados e cenários, que ambos começaram a se falar ainda mais.
Após o ciclone, participou de eventos junto com o professor e passaram até mesmo a frequentar suas casas. Coutinho chegou a visitá-lo em São Leopoldo em uma oportunidade em que esteve em Gramado, na Serra Gaúcha. “Ele foi de uma época em que não tinha o curso de meteorologia. Era muito prático, tinha observação e depois pela própria idade em si, ele tinha memória. Gente muito afável, vai fazer falta. Perde-se bastante o conhecimento, que se vai com ele”, testemunha o catarinense.
2020-07-14 18:37:07