O descontentamento com o contrato atual e o valor cobrado nas praças de pedágio do Polo Rodoviário de Pelotas e a contrariedade à renovação com a atual concessionária, Ecosul, deram o tom do Fórum de Debates, promovido na terça-feira (9), no Auditório do Sicredi Interestados RS/ES, em Pelotas. Com o tema “O Futuro das Rodovias Federais do Sul do Rio Grande do Sul”, o evento foi organizado pela Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas no Rio Grande do Sul (Fetransul), com apoio do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários de Cargas do Extremo Sul (Setcesul) e Associação dos Proprietários de Caminhões de Pelotas e região (Aprocapel).
O intuito, segundo os organizadores, foi formular um documento para expressar a expectativa da sociedade e forças produtivas quanto às concessões das rodovias federais. O atual vínculo assinado em 1998 com a Ecosul será encerrado em 2026. No dia 1º de janeiro, o valor da tarifa teve reajuste de 28,9%, com a básica passando de R$ 15,20 para 19,60.
A mesa foi composta pelo presidente da Fetransul, Afrânio Kieling, representante do Setcesul, Rudimar Puccinelly, presidente da Aprocapel, Nélson Vergara, Vice-presidente de infraestrutura da Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Antônio Carlos Bacchieri Duarte e o deputado federal Alexandre Lindenmeyer (PT). O evento ainda teve a presença de autoridades da região, prefeitos e representantes de deputados estaduais e federais.
O primeiro a falar foi Kieling. Ele destacou que esteve em Pelotas poucas vezes, sempre para tratar sobre pedágio e que o contrato com a Ecosul tem um vício de origem. O presidente afirmou ainda que a pauta é de todos, não somente dos transportadores ou empresários, pois o custo acaba sendo repassado para a sociedade. “O custo logístico do nosso estado chega hoje a 26% de tudo o que a gente consome. A sociedade gaúcha paga muito caro a infraestrutura do nosso estado”.
Para ele, outros estados tornam-se mais competitivos devido à melhor infraestrutura e valores mais baixos de pedágio. “Nós não podemos admitir que de novo venha essa prorrogação”, pontua.
Na sequência, o diretor de Infraestrutura da Fetransul, Paulo Ziegler promoveu um panorama da situação atual do contrato. Ele apresentou dados da proposta de renovação da Ecosul, que prevê investimentos de R$ 1,2 bilhão, tarifa básica de R$ 11,90 e 15 anos de contrato. A área, com cinco praças, abrange 457, 3 km das BRs 116 e 392. “Notem a desproporção entre o tempo de investimento e o valor da tarifa. Ela [a proposta] é absolutamente desvantajosa”, opina.
Além disso, comparou a proposta com outras concessões realizadas recentemente, como a da CCR Viasul, iniciada em 2020 com investimentos de R$ 12,7 bilhões, tarifa básica de R$ 5,80 e 30 anos de contrato. Abrange 472 km das BRs 101, 290, 448 e 386.
Outro caso citado foi o do Lote 1, no Paraná, em agosto de 2023, com as BRs 277, 373, 376, 476 e PRs 418, 423 e 427, com 473,01 km de extensão. O investimento previsto será de R$ 13,1 bilhões em 30 anos, com tarifa básica de R$ 7.
O diretor também apresentou dois cenários possíveis para reduzir a tarifa até o fim do contrato. A primeira seria a diminuição em 50% da atual tarifa a partir de um termo aditivo, com a futura empresa vencedora da licitação indenizando a Ecosul. A segunda antecipa o processo licitatório para o segundo semestre deste ano, com a nova empresa assumindo em 2025 e indenizando a atual concessionária pela rescisão.
Ziegler também apresentou motivos para não renovar com a concessionária, como a alta margem de lucro anual, de 70% a 80%, o fato de a situação atual de contrariedade se arrastar pelos últimos anos, sem que mudanças fossem realizadas. Ele acrescentou ainda que os últimos pregões federais tiveram preços 35% menores à proposta da Ecosul.
O próximo a falar foi o vice-presidente da Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Alexandre Alvarez Gadret, que disse não ser contra os pedágios, que classificou como um avanço, mas ser contra o modelo aplicado em Pelotas. “Não me parece que a renovação seja a mais importante e a mais interessante para a população do Rio Grande do Sul e para o Brasil como um todo. É um absurdo a diferença para outros estados”.
Gadret ainda questionou Lindenmeyer sobre a não inclusão da duplicação do Lote 4 da BR 392 no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O trecho é um dos que a Ecosul prevê investimentos caso haja a prorrogação do contrato. A empresa ainda projeta alteração do indicador de reajuste tarifário para IPCA ao invés da atual fórmula paramétrica, recuperação da ponte sobre o canal São Gonçalo entre Pelotas e Rio Grande; execução de três novas pontes na BR 116; e implantação de um pátio de parada e descanso para caminhoneiros em Rio Grande.
O deputado disse que o trecho não foi incluído pois ainda não havia projeto executivo elaborado. Neste sentido, Lindenmeyer lembrou que o governo federal está priorizando obras inacabadas, mas que tentará articular uma exceção para o Lote 4.
Lindenmeyer também reforçou que o valor excessivo prejudica o estado como um todo, beneficiando outros mercados, como Santa Catarina, quanto ao transporte e envio de cargas. Os prejuízos, segundo ele, também se estendem para outras áreas, como saúde, turismo e alimentação, pois os valores são repassados.
Conforme o parlamentar, já foi pleiteada uma agenda com o ministro dos Transportes, Renan Filho, com a presença do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta “para tratar sobre como o povo da região se sente com esse contrato, que é nefasto”.
Transportes e caminhoneiros
Falando pelo Setcesul, Puccinelly lamentou a perda de competitividade do estado e da região devido ao valor elevado da tarifa, o que afasta empresas. “Aqui o vilão é o pedágio” e disse que a solução é uma nova empresa assumir a concessão.
Esse também foi o tom do presidente da Aprocapel. Vergara disse que nos 14 anos de existência a associação está em conflito com a Ecosul. Reforçou que os valores são repassados ao longo da cadeira, mas que parte fica para o caminhoneiro. “Cada vez que sobre o valor do frete é uma briga”, disse, lamentando a diminuição de lucro obtido pelos trabalhadores, que também gastam com elementos como a manutenção dos caminhões. “Não somos contra o pedágio. Só tem que ter um preço justo por km. […] Sem caminhão o Brasil para”.
A posição do Ministério dos Transportes
O Fórum também teve a participação do coordenador geral de Concessões Rodoviárias do Ministério dos Transportes, Anderson Santos Bellas. Em Brasília, falou por videoconferência com o público presente no auditório. Ele fez um histórico das concessões realizadas pelo governo federal desde a década de 90, salientando que os contratos foram sendo otimizados conforme o que classificou como fases.
Sobre o contrato firmado com a Ecosul, disse que tem cláusulas consideradas “não modernas”. “Ele tem muitos pontos que na época eram considerados bons”. Neste sentido, lembrou que o “risco Brasil”, ou seja, a confiança para realização de investimentos no país, era alto, diferente da situação atual. Além disso, justificou que o contrato com a empresa foi beneficiado por períodos de inflação alta e que o mesmo modelo também é aplicado em outras concessões, ainda remanescentes.
Segundo ele, no início do ano foram iniciados grupo de discussões das situações dos contratos vigentes, que trabalharam a ideia de otimização desses acordos. Os termos estão consolidados na portaria 848/2023, de agosto, a qual a Ecosul demonstrou interesse e submeteu a proposta de prorrogação. “Não tem nada decidido”, disse.
Ele explicou que primeiro há uma avaliação se cumpre a proposta cumpre os requisitos mínimos para benefício da população, realizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). “Se a ANTT entender que não [cumpre], arquiva o processo e a gente continua com os outros processos para abrir um novo leilão para a nova concessionária”.
Bellas garantiu que haverá ampla discussão para celebração dos contratos e que mesmo com a portaria, a pasta vem conduzindo o processo para nova licitação. Neste sentido, disse que desde o final de 2022 o ministério solicitou à Infra AS, empresa pública responsável pelo planejamento e estruturação de projetos para o setor dos transportes, estudos para a nova concessão. “A gente está trabalhando em todas as frentes para analisar esse contrato”, argumentou.
Dessa forma, disse que há um processo para realizar o leilão em 2025 para a entrada em vigor da nova concessão a partir de 2026.
Propostas
Os participantes também puderam se manifestar. A prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB) classificou o contrato como inconstitucional, ferindo o princípio da razoabilidade. Por isso, defendeu uma medida judicial. Ela ainda destacou que o contrato não promove a justiça social, penalizando a população da Zona Sul do estado, menos desenvolvida do que outras.
O prefeito de São Lourenço do Sul, Rudini Härter (PDT) lamentou que as discussões realizadas até o momento não resultaram em medidas eficazes. “Pelo contrário, houve aumento de R$ 4”. Com isso, propôs a construção de uma via alternativa para que os motoristas tenham opção.
O prefeito de Canguçu e presidente da Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco), Vinícius Pegoraro, cobrou atenção para que não haja surpresas, como em 2013, quando houve prorrogação e união para que seja conquistado um valor justo. Disse ser necessária uma avaliação da proposta da Ecosul em comparação com a de outras empresas, de forma a obter um valor ideal, que seja menor.
O que diz a Ecosul?
À reportagem, a assessoria de comunicação da Ecosul afirmou que a empresa não foi convidada a participar, mas segue à disposição para dialogar com as autoridades políticas e empresariais sobre todas as melhorias possíveis no atual contrato de concessão.
Fonte: Jornal Tradição Regional
Daniel Batista