La Niña está de volta. Sem surpresas. O tão esperado anúncio veio no final da manhã desta quinta-feira (14) pela Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), a agência climática dos Estados Unidos, em comunicado que enfatizou ser o segundo episódio de La Niña seguido no Pacífico Equatorial. Já no começo deste ano, em março a MetSul antecipava a possibilidade de o verão de 2022 ser de La Niña.
O comunicado já era esperado pela MetSul após o organismo ter informado no começo desta semana que a anomalia de temperatura da superfície do mar no Pacífico Equatorial Central ficou em -0,5ºC no trimestre de julho a setembro, logo preenchendo o critério para a declaração do fenômeno. O verão de 2022 será o segundo seguido sob influência do fenômeno, caracterizado pelo resfriamento anômalo das águas superficiais do Pacífico Equatorial Central e Leste.
De acordo com o Climate Prediction Center, o Centro de Previsão do Clima da NOAA, dois eventos seguidos de La Niña após um período de transição em neutralidade “não são incomuns” e podem ser chamados de “mergulho duplo” ou “double dip” na expressão em Inglês.
Em 2020, o fenômeno La Niña surgiu durante o mês de agosto e depois se dissipou em abril de 2021. “Nossos cientistas têm monitorado o desenvolvimento potencial de um La Niña desde o inverno (meridional), e isso foi um fator na previsão da temporada de furacões acima do normal”, disse Mike Halpert, vice-diretor do Centro de Previsão do Clima da NOAA.
Segundo a NOAA, este evento de La Niña deve durar até o início do outono de 2022 no Hemisfério Sul. Para o trimestre do nosso verão climático, que se estende de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, há 87% de chance de La Niña.
A estimativa da MetSul é que este episódio de La Niña possa atingir intensidade moderada. Os valores de calor latente no oceano hoje são menores do que no pico de intensidade do evento da última ocorrência de La Niña, de 2020/2021, e existe uma grande quantidade de águas frias abaixo da superfície do Pacífico que vai emergir na superfície durante as próximas semanas, o que levará a uma intensificação do fenômeno.
Modelos climáticos, em geral, sinalizam para um evento fraco a moderado em 2021/2022 e alguns poucos apontam a possibilidade que o novo evento de La Niña alcance forte intensidade.
A maior probabilidade mesmo é que no seu pico fique ao redor de uma anomalia negativa de -1,5ºC, ou seja, no limite da intensidade moderada. De acordo com
O que é a La Niña e seus efeitos
O fenômeno La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil. Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.
No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola pelas diferentes fases do Pacífico. Estes trabalhos levam em conta décadas de dados. Quando sob neutralidade a produtividade ficou acima da média em um terço dos anos, abaixo da média em outro terço e acima no terço restante. Sob El Niño, a tendência maior foi de aumento de produtividade e com La Niña verificou0-se uma probabilidade maior de perdas na produção.
Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico.
Nenhum evento de La Niña é igual ao outro. Apesar de a grande maioria das estiagens no Sul do país ter ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño. Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña.
No caso do último verão, por exemplo, a MetSul enfatizava que o evento de La Niña poderia trazer estiagem, como ocorreu com perdas no milho no começo da estação e pode se repetir agora no final de 2021, mas a mesma previsão indicava que janeiro poderia ser mais chuvoso do que a média, o que beneficiaria o ciclo de soja. Até porque, sob La Niña, a média dos dados das últimas décadas mostra uma maior propensão para chuva acima da média do que abaixo da média durante o mês de janeiro em grande parte do Rio Grande do Sul.
Assim, La Niña nem sempre é certeza de estiagem no Sul do Brasil nem tampouco de chuva acima da média mais ao Norte e o Nordeste do Brasil. O que o fenômeno faz sim é aumentar a probabilidade de ocorrência destes cenários nas diferentes regiões do país. Por isso, se instalando um evento na primavera, aumenta muito o risco de estiagem no Sul do país no próximo verão.
Por fim, da mesma forma que não se pode fazer associação linear entre La Niña e seca ou El Niño e enchentes, a intensidade do fenômeno também não é o melhor parâmetro. Os dados históricos revelam que já houve casos de estiagens mais graves em eventos de La Niña fraco que sob forte a intenso. Isso se explica porque o Pacífico não é a única variável que influencia na chuva. Outras variáveis como a Oscilação de Madden-Julian (OMJ), a temperatura do Atlântico e a Oscilação Antártica podem atenuar ou aumentar os efeitos da La Niña.
Sul do Brasil e Argentina são as áreas de maior risco na agricultura
Confirmando-se agora um segundo verão seguido com La Niña, de acordo com a análise da MetSul, o maior risco por deficiência hídrica na próxima safra se dará no Sul do Brasil e na Argentina e desde já antecipamos um altíssimo risco de perda de produtividade e quebras, especialmente na Argentina.
A safra 2022 da Argentina, em especial, pode sofrer demais durante os próximos meses com falta de chuva e calor muito intenso com temperatura bastante acima da média, agravando ainda mais a perda de umidade do solo e gerando estresse nas plantas. Quebras muito expressivas podem ocorrer nas áreas produtoras de soja e milho do Centro e do Nordeste do país, na zona núcleo do Pampa úmido.
No Sul do Brasil, em particular no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, inicialmente a cultura de milho é que pode ser a mais atingida e, assim como ocorreu no final de 2020, ter perdas e quebras até significativas em diversas áreas. A soja plantada cedo no Centro-Oeste do Brasil em princípio, não deve sofrer uma repetição do cenário verificado no ano passado, uma vez que neste ano não apenas a chuva chegou na hora assim como a primavera deve ser mais chuvosa na região que no ano passado em muitas áreas. No Rio Grande do Sul, ao contrário, o período mais crítico para a soja se dá entre a segunda metade de janeiro e o começo de março, período de maior demanda hídrica e que pode ter irregularidade na chuva em 2022 com riscos.
A Metade Norte gaúcha pode enfrentar problemas nos próximos meses com precipitações deficientes, mas os dados de hoje indicam risco de chuva irregular e déficit hídrico maior nas Metades Oeste e Sul do Rio Grande do Sul, em cenário benéfico para o arroz e de risco para a soja nestas regiões. Recomenda-se ao produtor ficar atento aos boletins da Meteorologia e ter uma consultoria especializada em clima diante de uma safra de riscos em 2021/2022.
2021-10-14 12:58:10