Dois anos depois do início do projeto, o documentário sobre o estilista jaguarense Pompílio Neves de Freitas começa a tomar forma. Na última semana de janeiro a equipe que está levando adiante o filme concluiu a mais importante rodada de entrevistas que dará suporte ao longa. Em Pelotas as gravações ocorreram durante quatro dias em dois clubes sociais, Brilhante e Diamantinos. “Aí fomos para Jaguarão e gravamos durante dois dias no Clube Harmonia recebendo familiares, amigos de infância, pessoas que conviveram com ele nas escolas de samba”, conta o diretor Mateus Gomes. A montagem deve ocorrer até março e a expectativa é que a produção seja lançada em agosto, mês de aniversário do homenageado, morreu em Pelotas aos 50 anos, em 26 de fevereiro de 2003.
O projeto que pretende resgatar a memória e o legado de Pompílio tem a criação e produção de Mateus Gomes, Mariana Gomes, Lorena Fonseca e Rafael Scholl e está sendo feito com recursos próprios da equipe. Mateus Gomes foi quem teve a iniciativa e convocou os amigos para essa empreitada.
A equipe que assina com Gomes a produção é formada por um amigo e duas ex-clientes do estilista, que por estes motivos têm uma relação muito afetiva com o projeto. “A Mariana foi titulada do Diamantinos e ele fazia roupas para ela, hoje ela é uma grande estilista”, conta Gomes. Scholl, que que é professor doutor da área de Moda, também o conheceu quando ainda era criança e recebeu muito estímulo de Pompílio para que estudasse moda. “Lorena, que é de Jaguarão, também foi cliente desde pequena.”
Mateus Gomes é o único do grupo que não conviveu com o estilista. A primeira vez que o viu ele tinha desfilado pela Estação Primeira do Areal, entidade carnavalesca do coração do diretor. Na ocasião, Pompílio estava com a fantasia icônica de gaúcho, o impacto ocasionado pela presença andrógena do artista é uma das suas primeiras memórias de Carnaval.
O interesse de Gomes em investigar a vida do Pompílio vem de diferentes estímulos, um deles foi perceber que, quase 20 anos após a sua morte, Pompílio continua presente na vida de muitas pessoas. “Por onde ele passou ele deixou um legado muito importante, tanto no Carnaval de rua de Pelotas, quanto nos clubes sociais”, diz.
Para o diretor, Pompílio é uma figura a ser lembrada. “Ainda não tem nada sobre a trajetória dele, do tamanho dele. E ele tem um acervo vivo gigantesco e o filme vai ajudar a catalogar, a colocar em um lugar para que as pessoas conheçam.”
43 entrevistas
Ao longo de seis dias a equipe fez 43 entrevistas, que somadas a outros dez depoimentos captados anteriormente e outros que serão colhidos em Porto Alegre, a produção deve chegar a 60 entrevistados. Pessoas que abordam diferentes aspectos da carreira e da vida do estilista.
Assim que essa parte estiver concluída o documentário será montado e em seguida roteirizado, quando vai receber imagens adicionais, como vestidos, fantasias, fotografias e croquis, entre outros materiais que vão ajudar a remontar essa biografia. “As pessoas têm muito acervo, principalmente de roupas de festas e de noivas, mas também fantasias”, fala Mateus Gomes.
Entre os depoimentos destacados pelos produtores estão o da ex-diretora de Carnaval da Escola de Samba Unidos do Fragata, Cláudia Berardi. Esta foi a entidade carnavalesca que Pompílio permaneceu por mais tempo, de 1997 até a sua morte em 2003.
Em Jaguarão o depoimento mais importante foi o de Isolda, irmã do estilista. Em Porto Alegre serão entrevistados também uma sobrinha e o companheiro de Pompílio. “Também vão ser depoimentos chaves”, comenta Gomes.
A partir desses depoimentos, Gomes diz se sentir seguro para falar sobre Pompílio em termos de relações, afeto e personalidade. “São depoimentos muito ricos e muito parecidos no universo da pessoa que ele era. Todas as 53 pessoas que já deram depoimentos pra gente traçam Pompílio de um forma muito particular, mas eles têm um fundo muito parecido, revelando uma pessoa muito generosa.”
Respeito
O diretor comenta que os entrevistado ressaltam muitos aprendizados na convivência com o estilista. Falam também da personalidade forte e até de alguns defeitos do profissional, como a falta de pontualidade na entrega de vestidos, por exemplo. “Mas num lugar de muito respeito e de reconhecimento de que ele era um artista fora da curva”, diz Gomes.
Até quem era mais íntimo, de convivência desde criança, não consegue achar em que momento ele começou a se mostrar como artista, nem de onde vieram as referências para o início. “Eles dizem que era muito nato dele. Ele nasceu com esse dom e ao longo da vida ele só vai desenvolvendo isso. Era uma pessoa admirável desde sempre.”
A visão da comunidade LGBT sobre o estilista também tem destaque. “Ele era um farol para essa comunidade nos anos 90 e 2000, de os incluir dentro das festas, de dar visibilidade para essa comunidade no Carnaval e de transitar como um território LGBT por todos os ambientes e, de certa forma, contribuir para a naturalização dos comportamentos. Isso é um assunto muito importante para o filme, principalmente para mim trazer essa questão”, comenta.
O fato de Pompílio ter trânsito livre nas classes sociais mais alta, por si só, é motivo de estudo, na percepção do diretor. “Ele era uma pessoa muito avant-garde no comportamento. Acho incrível que todos sabiam que era soropositivo, nos anos 90, sentava nas mesas tradicionais das sociedades de Pelotas e Jaguarão. Quero trazer um pouco disso pro filme.”
Por: Ana Cláudia Dias
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Fonte: Diário Popular