Acordeonista dos fados e a amiga cozinheira num cantinho azul de Lisboa , em registro do colunista no ano de 1973 |
Por Juarez Fonseca no Paralelo 30
Um dos mais premiados compositores/intérpretes dos festivais nativistas e o principal letrista gaúcho dos anos 2000 unem novamente suas forças e gerações em um arrojado projeto poético-musical: o álbum Doze Cantos Ibéricos & Uma Canção Brasileira, que está sendo lançado hoje ( 02/06) no Teatro do Sesc.
Marco Aurélio Vasconcellos e Martim César inauguraram a parceria em 2011 com Já se Vieram!, disco dedicado ao universo das carreiras de cavalos no interior do Estado. Desta vez vão bem mais longe, mas sem sair do lugar. Escritor e pesquisador de grande erudição sobre a história deste pedaço do mundo formado pelo Rio Grande do Sul, o Uruguay e parte da Argentina, Martim teve a ideia de resumir em música a formação cultural dos habitantes da região no que ela tem de mais remoto, as raízes ibéricas.
– Quantos sabem que as receitas de doces que fazem a fama de cidades como Pelotas são açorianas? Que as alpargatas e boinas que muitos gaúchos usam, bem como a tecnologia de construção de mangueiras e pontes de pedra, são de origem basca? Que muitas canções e danças que integram nossa cultura têm origem nos primeiros povoadores? – pergunta Martim.
Depois de mergulhar nos livros e deles extrair lugares, paisagens, personagens, lendas e aventuras da dimensão das grandes navegações, ele imprimiu-os nas letras que Marco Aurélio musicou.
– Nunca fui fã do fado, até que em certo momento, antes deste trabalho, me dei conta de que minhas composições nativas tinham algo de fado – conta Marco. – Como explicar isso? Atavismo, talvez. E, agora, as melodias iam brotando ao natural, também não sei explicar…
Com tudo pronto, em 2014 os parceiros viajaram para Portugal e Espanha em busca da cor local para depurar o que haviam feito. Andaram pelo Alentejo, o Algarve, Coimbra, Lisboa da Mouraria e Alfama, o Porto, os rios Mondego, Tejo e Ebro, a Galícia, Santiago e seus caminhos, Astúrias, Catalunha, o País Basco, Andaluzia, Sonharam com Cabral, Dom Pedro e Inês de Castro, Colombo, El Cid, Cervantes, singraram o imenso mar – o encarte do CD, com 28 páginas recheadas de fotos da viagem, inclui muita informação extra e citações de Camões, Eça, Saramago, Antonio Machado, Florbela Espanca. Mas não se pense que as canções sejam mero registro histórico – o que já seria interessante. Nada disso. Elas têm vida própria, são moldadas com o olhar, a inspiração, a sensibilidade e o amor de hoje. Martim se supera.
O primeiro lançamento foi no Teatro Esperança em Jaguarão – 26/05/2017 |
MELANCOLIA PORTUGUESA, DRAMATISMO ESPANHOL
A música de abertura do álbum, Sobre os Telhados de Lisboa, termina assim: “A nave-mestra deixa o cais/ Com esse olhar de unca mais/ Que Portugal gravou em mim/ Devo partir, içar as velas/ Rumar ao porto de outras eras/ singrar o azul do mar sem fim”. Alguns títulos: Velhas Casas de Coimbra, Onde o Vento faz a Curva, España, Cuando Te Nombro, Céus de Castilla y León, Antes de Ser Marinheiro, O Fado se Faz ao Mar.
Marco Aurélio e Martim: parceria dos músicos chega ao seu momento alto |
A melancolia portuguesa e o dramatismo espanhol, unidos no Novo Mundo, fazem a essência do trabalho, que se encerra com o humor de Notícias da Terra Brasílis, gaiata versão da carta de Pero Vaz de Caminha, contando ao rei que permanecerá no Brasil para “dar início à mestiçagem”. Aliás, deve ser parente dele o brilhante Marcello Caminha, referência de violonista na música gaúcha, produtor e arranjador do álbum, que chamou para ajudá-lo o não menos Elias Barboza (bandolim) e Marcelo Caminha filho (baixo, percussão).
Uma obra tão significativa, histórica mesmo, merece todos os créditos: produção executiva de Elis Vasconcellos e Martim César, fotos de Elis e Regina Lopes d’Azevedo, projeto gráfico (impecável) da Nativo Design, técnico de gravação Érlon Péricles, masterização do mestre Marcos Abreu. Parabéns!
Fonte: Confraria dos Poetas de Jaguarão
2017-06-08 16:45:00